(caio silveira
ramos)
Do pessoal lá de casa, a Ruth
talvez tivesse o maior número de amigas. Amigas desde cedo, amigas por muito
tempo, amigas para todo o sempre. Amigas de vir em casa, amigas de visitar.
Amigas de escrevinhar nos cadernos advinhas enigmáticas de letras e números
para revelar nomes dos pretendentes ou dos apaixonados. Amigas de falar por horas baixinho no
telefone, amigas de rir alto e sem motivo aparente, amigas de chorar de mãos
dadas, amigas de sair junto.
E eram tantas e tantas, que os
sorrisos às vezes se confundem nos meus olhos para talvez moldar o sorriso só
dela, Ruth: Mônica, Adriana, Valéria, Cibele, Idamis, Monique, Lucy, Anete,
Sandra, Eda, Cleide, Zuleica, Denise, outra Valéria, Cidinha, Adneia, Bia,
Telma, Soninha e, claro, Aninês. E outras. Muitas outras.
Ruth gostava de festa, de praia,
de piscina e de chocolate. De fazer bolo. De acordar cantando no sábado de
manhã. E de dançar. E de se arrumar para sair sábado à noite, de brincar o Carnaval,
de tomar sol. De chorar sentido e de rir sem freios. De falar besteirinhas. De
escrever inspirados poemas românticos nas últimas folhas dos cadernos. De tocar
piano apaixonadamente.
E quando contava piadas ou
episódios mais desbocadinhos (ou quando descobria cacófatos marotos ao juntar
os sobrenomes das amigas com os de alguns pretendentes), minha mãe brincava:
“ih! Soltaram o tio Sebastião”, lembrando um tio querido que se deliciava ao
contar piadas um pouco mais apimentadas.
Aos sábados, os preparativos para
a noite começavam logo após o almoço e, enquanto trocava infindáveis
telefonemas com as amigas, ela se esmerava em cuidar dos cabelos longos e
crespos. E à noite, a bordo do carro da
Telma, um Chevette muito cuidadinho conhecido graciosamente como “Mini-Monza”,
lá ia ela se divertir com as meninas nos barzinhos e danceterias da cidade.
Às vezes, no meio do dia, me
deparo com sons e imagens soltas daquelas meninas, talvez para me lembrar mais
um pouco dela. E chegam num relance o sorriso da Lucy, os olhos da Bia, um
samba do Almir Guineto trazido pela Soninha, o riso da Eda, a discrição serena
da Telma, a flor no cabelo moreno da Cleide, o liso do cabelo loiro da Sandra.
E, claro, a alegria da Aninês.
Aninês, a quarta irmã que morava
numa casa querida na rua Gomes Carneiro, casa de Dona Ondina (“Madrinha”, para
Ruth), de Seu Antonio Carlos e do Ju.
Aninês, que estava sempre tão perto, rindo com a gente. Vivendo ali com
a gente. Aninês, tão diferente da Ruth
no temperamento e no jeito, mas no sentimento tão igual. Tanto, que as duas
pareciam transcender a fraternidade para quase sempre parecerem uma só.
Hoje, nos sábados à tarde,
aquelas meninas por um segundo pensam em se preparar para sair. E nesse
segundo, testam suas roupas na frente do espelho, fazem touca no cabelo,
capricham na maquiagem, falam ao telefone e combinam de sair todas juntas a
bordo do “Mini-Monza” da Telma.
E todas juntas sonham que a
alegria da amiga Ruth se espalhará pela noite de sábado.
Ilustração de Maria Luziano - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicada no Jornal de Piracicaba em 26 de fevereiro de 2017
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