sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Meninas

(caio silveira ramos)

Do pessoal lá de casa, a Ruth talvez tivesse o maior número de amigas. Amigas desde cedo, amigas por muito tempo, amigas para todo o sempre. Amigas de vir em casa, amigas de visitar. Amigas de escrevinhar nos cadernos advinhas enigmáticas de letras e números para revelar nomes dos pretendentes ou dos apaixonados.  Amigas de falar por horas baixinho no telefone, amigas de rir alto e sem motivo aparente, amigas de chorar de mãos dadas, amigas de sair junto. 
E eram tantas e tantas, que os sorrisos às vezes se confundem nos meus olhos para talvez moldar o sorriso só dela, Ruth: Mônica, Adriana, Valéria, Cibele, Idamis, Monique, Lucy, Anete, Sandra, Eda, Cleide, Zuleica, Denise, outra Valéria, Cidinha, Adneia, Bia, Telma, Soninha e, claro, Aninês. E outras. Muitas outras.
Ruth gostava de festa, de praia, de piscina e de chocolate. De fazer bolo. De acordar cantando no sábado de manhã. E de dançar. E de se arrumar para sair sábado à noite, de brincar o Carnaval, de tomar sol. De chorar sentido e de rir sem freios. De falar besteirinhas. De escrever inspirados poemas românticos nas últimas folhas dos cadernos. De tocar piano apaixonadamente.
E quando contava piadas ou episódios mais desbocadinhos (ou quando descobria cacófatos marotos ao juntar os sobrenomes das amigas com os de alguns pretendentes), minha mãe brincava: “ih! Soltaram o tio Sebastião”, lembrando um tio querido que se deliciava ao contar piadas um pouco mais apimentadas.
Aos sábados, os preparativos para a noite começavam logo após o almoço e, enquanto trocava infindáveis telefonemas com as amigas, ela se esmerava em cuidar dos cabelos longos e crespos.  E à noite, a bordo do carro da Telma, um Chevette muito cuidadinho conhecido graciosamente como “Mini-Monza”, lá ia ela se divertir com as meninas nos barzinhos e danceterias da cidade.
Às vezes, no meio do dia, me deparo com sons e imagens soltas daquelas meninas, talvez para me lembrar mais um pouco dela. E chegam num relance o sorriso da Lucy, os olhos da Bia, um samba do Almir Guineto trazido pela Soninha, o riso da Eda, a discrição serena da Telma, a flor no cabelo moreno da Cleide, o liso do cabelo loiro da Sandra. E, claro, a alegria da Aninês.
Aninês, a quarta irmã que morava numa casa querida na rua Gomes Carneiro, casa de Dona Ondina (“Madrinha”, para Ruth), de Seu Antonio Carlos e do Ju.  Aninês, que estava sempre tão perto, rindo com a gente. Vivendo ali com a gente.  Aninês, tão diferente da Ruth no temperamento e no jeito, mas no sentimento tão igual. Tanto, que as duas pareciam transcender a fraternidade para quase sempre parecerem uma só.
Hoje, nos sábados à tarde, aquelas meninas por um segundo pensam em se preparar para sair. E nesse segundo, testam suas roupas na frente do espelho, fazem touca no cabelo, capricham na maquiagem, falam ao telefone e combinam de sair todas juntas a bordo do “Mini-Monza” da Telma.
E todas juntas sonham que a alegria da amiga Ruth se espalhará pela noite de sábado.


Ilustração de Maria Luziano - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicada no Jornal de Piracicaba em 26 de fevereiro de 2017


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