(caio silveira
ramos)
João Pedro pediu, como pede todos
os dias, que eu me deitasse com ele para lermos juntos: precisávamos saber os
próximos passos do Bolachão na sua tentativa de desvendar os planos malignos d’“O
Gênio do Crime”. Mas eu tinha trabalhado
muito naquela sexta-feira, já era tarde, e disse que teríamos que ajudar o
Gordo no dia seguinte, já que, no sábado cedo, duas coisas importantes e
inadiáveis nos esperavam: uma compra de Natal e um corte de cabelo:
“Pensei que eram três coisas.”
“Três? Qual é a terceira?”
“Pedir para o tio Carlos se
cuidar.”
“Por que ele tem que se cuidar?”
“Porque o pai dele morreu.”
Tio Carlos era o namorado da
Dani, tia do João Pedro. No dia 13 de
dezembro, na terça-feira anterior à sexta daquela conversa, de fato, o Carlos
tinha perdido seu pai. Tocado pela
preocupação do pequeno, dei-lhe um beijo na testa e resolvi me deitar com ele
para lermos nem que fosse só mais uma página do livro do João Carlos Marinho:
quem sabe nela seria revelada a identidade do fabricante das figurinhas
clandestinas?
Com o pequeno já dormindo,
resolvi caminhar um pouco no seu pensamento. E de repente me dei conta que,
além do zelo para com o tio, talvez ele se preocupasse também comigo.
Dia 13 de dezembro era também a
data de nascimento do Vô Miro. João Pedro sabia disso e sentia a ausência
daquele avô que tinha partido sem conhecê-lo.
E mais: percorrendo minhas andanças, minhas dores escondidas ou
reveladas, ele entendia (e também sentia) a falta que aquele pai fazia para o
seu próprio pai. E ele tinha razão.
Mas talvez João Pedro, muito
justamente, pensasse em si próprio: a perspectiva da dor da perda, da perda do pai,
da falta do pai incomodavam o menino também: era preciso que seu pai se
cuidasse da dor de uma ausência (e também de outras dores) para que pudesse
cuidar dele. Para que talvez ele, o
filho, não precisasse se cuidar tanto por tantas perdas e dores.
E
abraçados nos cuidados recíprocos, adormecemos os dois.
E
nos esquecemos um pouco de todas as dores do mundo.
Ilustração de Maria Luziano - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicada no Jornal de Piracicaba em 29 de janeiro de 2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário
INFINITE-SE: