sexta-feira, 3 de novembro de 2017

A glória de um farol

(caio silveira ramos)

Para Tita

Por que, de repente, os olhos verdes se encheram de tristeza?
Não que os olhos verdes não tenham o direito de se entristecer: estamos em dias difíceis, de desilusão e de lutas aparentemente perdidas.
Mas justamente por lutarem tanto a vida inteira que ainda esperamos que os olhos verdes retomem sua alegria.  Onde estarão guardadas tantas batalhas, perdidas, vencidas, mas bem combatidas?  Onde estarão recolhidas suas visões de presente e futuro?  Será que os olhos verdes se anuviaram justamente porque deixaram de ver o que virá? Ou será que é justamente uma antevisão assustadora que os amedronta?
E nós, temos o direito de pedir a ressurreição de sua alegria? Estaríamos sendo egoístas por que precisamos dessa alegria e simplesmente não conseguimos viver sem a força que dela brota?
Os olhos verdes estão tristes. E talvez, sabendo do desalento que sua tristeza provoca em nossa vida, se sintam ainda mais desgostosos: tal responsabilidade deve pesar infinitamente sobre suas pálpebras.
Os olhos verdes se dizem fracos. E por se sentirem fracos, têm medo de andar pelas ruas sozinhos e precisam de outros olhos fraternos (e eles são muitos) para conduzi-los.  Outros olhos que ainda se alimentam da força avassaladora que os olhos verdes emanaram a vida inteira.
Mas eu sinceramente acho que os olhos verdes não estão fracos: estão apenas com um pouco de medo. Pois a chama e a inquietude dos olhos verdes não se apagaram: continuam lá, instigando, provocando, se digladiando com a apreensão que tenta arrancar suas forças. 
Há de haver colírios que derramem a tristeza para fora dos olhos. Colírios desenvolvidos pela mais avançada medicina para afastar depressões profundas ou amarguras superficiais. Ou mesmo devem existir terapias, mandingas, exercícios e luzeiros extraídos de filosofias heterodoxas que afastem fantasmas e sombras. E a cura virá.
Egoísmo nosso ou não, precisamos que os olhos verdes retomem sua alegria, mesmo que haja o risco de que essa responsabilidade lhe pese ainda mais sobre as pálpebras: que nossa necessidade não seja peso, mas sustentação que mantenha os olhos verdes acesos: que sua luminosidade seja nosso farol.
Farol verde que nos abre passagem e nos serve de guia no mar revolto e nas noites de tormenta.
Que seu brilho nos preencha com sua glória.

Ilustração de Anderson Diniz - cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicada no Jornal de Piracicaba em 18 de junho de 2017


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