(caio
silveira ramos)
Caiu de alguma
forma nas mãos da mãe do João Pedro a seguinte frase: “às vezes, para um
taurino ser feliz, ele precisa apenas de um abraço e duas coxinhas de frango
com catupiri”. A mãe do João Pedro,
mesmo não vendo graça em horóscopos, encontrou graça na frase e emendou: “acho
que sou mesmo uma típica taurina: essa frase me define”. João Pedro que é amigo de afetos, mas também
nunca abre mão do riso, retrucou: “pra mim, que não sou de touro, fico bem só
com as coxinhas”. E rindo, rindo foi
abraçar sua mãe.
À noite,
enquanto se preparava para dormir, João Pedro fez seu pedido de todo dia:
“Papai, deita
comigo e conta uma história?”
E como sempre, lá fui eu, de livro na mão,
para ser iluminado pela luz do abajur verde e branco.
Terminada a
leitura, na escuridão do quarto, ele me pediu que eu lhe coçasse as costas. E
emendou:
“Agora, me conta
uma história de cérebro e boca?”
Entendi o
pedido: ele queria uma história inventada da minha cabeça, sem livros, sem
escritas, algo para embalar seu sono e seu sonho. Mas para fazer eco a suas
graças comecei:
“Um grande
cérebro mal-humorado caminhava pela floresta quando encontrou uma boca cheia de
dentes...”
Ele cocegou a
noite com seu riso, e pediu: “não, papai, fala sério...”
Geralmente
invento algo novo, que vai se espichando, espichando, e se encerra ao encontrar
o sono do pequeno. Mas naquele dia me lembrei da história de “Aladim e a
lâmpada maravilhosa”, que no segredo da noite se achegou em mim abrigada pelas
lembranças das belas gravuras de um livro perdido na infância, onde Aladim era
chinês e havia dois gênios: um da tal lâmpada e outro de um anel. Com o pensamento grudado naquelas velhas
figuras, que até pareciam fotografias, fui retecendo a história, esticando o
enredo, inventado mil e um ingredientes, umas três ou quatro tramas novas e
alguns personagens estranhos tirados do bolso. E, tomado de liberdades,
decretei até alforria para os tais gênios aprisionados.
No outro dia,
encontrei outra versão de “Aladim” num livro grosso. À noite, debaixo do abajur, li a história
palavra por palavra. Letra por letra. Ele cutucou:
“Gostei. Mas a
sua foi melhor.”
Dito isso,
virou-se de costas para mim e pediu que eu atravessasse meu braço sobre seu
peito, o que ele chama de “cinto de segurança”.
E dispensando
coxinhas de frango com catupiri e outras histórias, ele adormeceu.
Aninhado no meu
abraço.
Ilustração: Erasmo Spadotto – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 24/4/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário
INFINITE-SE: