sexta-feira, 1 de maio de 2015

O doce sabor da derrota

 (caio silveira ramos)

Recebemos em casa, por uma semana, a Maleta Literária Viajante do colégio do pequeno.   Junto com a Maleta – recheada de livros e revistas para adultos e crianças compartilharem os prazeres da leitura - veio a mascote da classe, um coelho de pelúcia azul, com orelhas caídas, que a turma resolveu chamar de Fofinho.
Para que a semana ficasse mais risonha, resolvemos tornar a estadia do Fofinho mais emocionante, deixando que ele participasse ativamente da vida familiar.   Sentindo-se muito à vontade, Fofinho decidiu se espalhar: assumiu o controle remoto e acompanhou o futebol, telefonou para a avó, subiu na cristaleira e quase se estabacou no chão junto com os copos, invadiu a despensa, abriu a geladeira, ganhou uma partida de xadrez do macaco João Pipoca, quase pegou um pênalti batido pelo João Pedro (mas a bola foi no ângulo e ele acabou não alcançando: vale conferir as fotos do jornal do dia seguinte), paquerou a boneca Tina e foi visto na companhia do Polvo Louco. Não sei se cismou comigo, mas usou meus chinelos, assoprou as velinhas do bolo do meu aniversário e atacou meu ovo de Páscoa.  Só que depois de tudo, teve dor de barriga e de dente (chegando a amarrar um lenço na cabeça), e um febrão que só abaixou depois de uma injeção danada de doída.
No dia em que eu e Fofinho fizemos as pazes, resolvi ajudá-lo numa partida de “Lig-4” (uma espécie de “jogo de trilha” disputado na vertical, só que, como o próprio nome diz, com o objetivo de formar uma linha de... quatro peças).  Eu sempre fui fascinado pelo “Lig-4” desde que o meu amigo Nando Boscariol ganhou o tal jogo de presente em um Natal lá da década de 1970.  E agora, muitos anos depois, eu e Fofinho enfrentávamos João Pedro numa partida emocionante.
E eu e a mascote perdemos. E perdemos outra, e outra, e outra. Deixei o Fofinho de lado, esfreguei as mãos e resolvi encarar meu adversário de frente. Resultado: de onze partidas, eu (com ou sem a mascote) perdi dez. E ganhei apenas uma.
Ainda muito pequeno, João Pedro aprendeu os movimentos das peças do xadrez. Para incentivá-lo, muitas vezes deixei minha dama ser devorada por peões implacáveis ou bispos famintos, e coloquei meu rei em armadilhas sem saída. No futebol, perdi centenas de partidas, chegando atrasado na bola para que ele pudesse comemorar mais um gol.
Mas agora, naquele jogo novo, eu me via perdendo sem artifícios: meu filho de seis anos me encurralava de todos os lados e me deixava sem rumo, forçando meus erros e meus fracassos.
Como nas derrotas anteriores, mostrei um desalento cômico com a minha incompetência.   Mas agora ficava difícil esconder minha alegria. 
Ali, na minha frente, descobri não mais o menino que precisava de ajudas camufladas para vencer seus desafios. Estava ali, um companheiro esperto e feliz, um amigo com quem eu podia brincar, jogar, me divertir de igual para igual.  Alguém que crescia, enquanto eu me tornava menino de novo.
Sem qualquer esforço, perdi, perdi e perdi mais e mais partidas. 
Continuo perdendo.
E me embriago feliz com o doce sabor da derrota.

Ilustração: Maria Luziano – cedida pelo Jornal de Piracicaba
Publicado no Jornal de Piracicaba em 24/4/2015